sábado, 17 de dezembro de 2011

De Volta a São Rafael

Para quem não conhece São Rafael é um distrito da cidade de Morro do Chapéu, na Chapada Diamantina- Bahia. Posso até dizer que lá é um pedacinho do céu. Fui visitar a minha amada mãezinha que mora lá. Dona Terezinha 80 anos, sorridente, um coração do tamanho do mundo, mesmo com algumas dificuldades de locomoção tem uma alegria, conta piada e relembra de tudo até da sua mocidade. Casada com Zeca, meu padrasto, uma figura também gente boa. Os dois conversando no dia-a-dia parecem dois adolescentes. Reclamam, discordam um do outro, mas estão sempre juntos.
Depois de 12 horas de viagem, saindo da cidade de Barreiras cheguei na cidade de Irecê e em seguida peguei uma lotação que me deixou na estrada que dar acesso ao distrito de São Rafael, mais ou menos 2 km de andada. Eram cerca de 5 horas da manhã, o friozinho gelado me recebia, os passarinhos que corriam dos nossos bodoques estavam ali cantarolando, as plantinhas que adornavam a borda da estrada com gotículas de orvalho que escorria pela suas folhas enfeitavam e da minha boca um sorriso ingênuo acompanhado de lembranças.
Avistei de longe os telhados das casas e alguns coqueiros da minha época, testemunhas da minha infância que com suas folhas num vai e vem desengonçado acenavam para mim dando-me boas vindas, como se dissessem venha logo estou a sua espera. O cheiro do mato que exalava era o mesmo, a terra avermelhada conservava a sua cor, a preá atravessa pela estrada fazendo malabarismo com ar de liberdade, os umbuzeiros com as suas folhas caídas ao chão como tapetes amarelados. A jurema florida exalava um perfume especial juntamente com outras plantas que davam um espetáculo aromatizando aquele ar frio.
E nesse meu encantamento, busquei olhar tudo que estava a minha frente e ao meu redor, sem querer perder um segundo de nada daquilo que alegrava a minha alma mesmo misturado com saudades, lembranças e prazer.
Permaneci caminhando lentamente desfrutando e sentindo a felicidade de poder estar ali. E nessa minha caminhada ouço chocalhos que cada vez mais chegando perto dos meus ouvidos, foi quando me deparei com Dada aboiando e tocando os bois, as vacas e os bezerros que seguiam enfileirados para pastar.
E cada vez mais eu estava ali tão próximo de um tempo tão distante, mais eu estava ali para contemplar e provar o doce de uma vida tão inesquecível. Já não era mais aquele menino de calção amarrado com cordão e calçado com, precatas de couro feitas pelo senhor Diolino, mas era sim, um saudosista amante desse lugar. Mesmo sabendo que não mais encontraria muitas daquelas pessoas: dona Bididi e Sr. Diolino , dona Calu e Sr Izaque, dona Mocinha e Sr. Afranio, dona Vaninha e Sr. Fraterno, dona Zilda e Sr. Silu, dona Quirucha e Sr. Nilson, dona Adelia e Sr. Jacó, dona Gabriela e Sr. João, dona Helena e Sr. Gamaliel, Dr. Tolentino,Sr..Dário, Sr. Quitito, dona Belmira, Sr. Salim, Nicosinho, Pompinho, Erisvaldo, Abilio, Merinha, José Fernandes, Ninha Tio Onaldo, professora Luzia, Marcos e outras ,tão amáveis que me presenteavam com bondade como outrora, mas fiz reviver todas essas pessoas porque esse lugar além de ter um pedacinho de cada uma me propiciava uma energia de lembranças com saudades.
Continuei caminhando e quando estava quase chegando próximo das casas ouvi barulhos de água e me aproximei mais, foi aí que a felicidade estava completa quando me deparei com aquele riacho que corria água e que na minha infância banhava o meu corpo e que eu andava pelas suas pedras que rolavam, eu adorava estar ali correndo e com os pés acariciando as pedras redondas. Extasiei-me, atravessei o riacho com as suas águas geladas e transparentes refrescando a minha alma.
Quando cheguei à casa de minha mãe, dona Terezinha, gritei da porta: - Mãe
E ela disse de lá de dentro da cozinha: - É Celso, meu filho que alegria!
E eu disse: - Benção mãe. Abraçamo-nos e uma lágrima sinaliza a emoção de estar com minha amada mãe.
E ela disse: - Entra aí, venha cá pra dentro. Cadê celo e gabi? O café estar pronto.
Não precisava nem ela me dizer que o café estava pronto por que o cheiro exalava por toda a casa, foi logo fazendo cuscuz, esquentando o pão, estrelando ovos de galinha caipira e a todo hora dizia: meu filho que alegria. Ficamos horas abraçados. Fui logo dizendo: - hoje quem cozinha nessa casa sou eu.
E ela respondeu: - que nada menino, você estar cansado da viagem.
Disse: - nada mãe!
Preparei uma feijoada, cozinhei carne de bode, fiz sorvete de goiaba que peguei no quintal, salada, aquela mesa farta e, mas farta estava a minha alma por estar com minha mãe. Colocamos as conversas em dia, foi logo me dizendo quem nasceu, quem morreu, perguntamos por tudo e por todos. Demos boas risadas. Minha mãe também é outra pessoa que me contou coisas da sua adolescência, falou do seu caderno de confidencias, das suas amigas e das suas farras e do seu grande amor. Assombrei! ( risos). Tivemos uma vida longa juntos, mas nunca falamos sobre isso. Parece uma adolescente, ainda reclama das coisas, da política, ainda sonha, tem uma caligrafia invejável e estar, também escrevendo um livro.
Também me disse: “Filho, aqui a noite está fazendo muito frio, um frio danado, tem que se agasalhar muito bem”.
E continuamos a conversar... Perguntou pelos meus irmãos: Zequinha, Cicinho, Washington e também por Eliene, Maria, Carla, Juliana, Fabíola, Thiago e outras pessoas. Falou-me da sua saúde e de algumas dificuldades dentre elas fazer um conserto na casa. De imediato verificamos o que tinha que ser feito, peguei o carro de Zeca, mesmo roncando fomos para a cidade de America Dourada e fui atender a vontade de minha mãe, comprei materiais, contratei pedreiro e vamos a obra. Dona Terezinha muito satisfeita com um sorriso largo e disse:
- Filho a nossa vida melhorou, hoje somos ricos.
E disse-lhe: Mas rico sou mesmo mãe porque tenho a senhora e porque essa palavra grandiosa “ MÃE” posso dizer olhando nos seus olhos e ainda mora comigo.
Passei esse dia acompanhando o serviço do pedreiro, recebendo visitas, tomando uma gelada, banhando no riacho, comendo e muito feliz por estar ao lado de minha mãe. À noite, fomos a capela, rezamos. Encontrei com varias pessoas, abracei. Sentir a falta das estórias e da amizade de Noêmia. Também sentir falta de estar na calçada em que ficava abraçado com a minha amada, nas noites mais inesquecíveis, se protegendo do frio, falando de amor, contando as estrelas, sonhando e dos beijos. Saudades!
E o friozinho começou a se fazer presente, dei vários abraços em mãe e, então, é chegada a hora de dormir, me sentir um garoto que precisava de proteção e minha mãe num cuidado especial arrumou a cama e colocou quatro cobertores e dizendo sempre: “ Se enrola todo, mais tarde você não vai agüentar menino”. E ainda veio algumas vezes na noite me olhar se realmente eu estava coberto. Foi um sono maravilhoso.
Pela manhã bem cedinho, o galo marcou presença e se comunicando com outros poleiros, a serra matizada abraçava São Rafael e ainda ouvi o cantar solitário da seriema. Fui ao curral pegar leite, vi as cabras ruminando e dando de mamar aos cabritos era quase tudo como antigamente, mas sentir que faltava o gado deitado na malhada, das pessoas indo pegar água na bica, da fumaça que desprendia do fogo a lenha que passava pelo telhado das casas e ia pro céu, do candeeiro acesso exalando querosene, das cabaças empenduradas, da zoada do carro de boi carregado de cana, do moinho de seu Fraterno guiados por bois que gemia com o passar da cana, da enxurrada de caldo caindo no tanque, do chiar do caldo de cana colocado no taxo e do cheiro melado da rapadura e outras.
Mas tudo muda... Este lugarejo já tem água encanada, energia, televisão, telefone, prédio escolar, posto medico e mercadinho. O que me chamou mais atenção é que mesmo com esse desenvolvimento as pessoas moradoras desse lugar continuam sendo as mesmas, com um coração enorme, parecem que quem já se foi deixou a semente do amor ainda pra ser distribuída.
Fui somente passar dois dias em São Rafael, mais fiquei quatro dias. Como eu precisava desse momento e só não fiquei mais porque a responsabilidade me chamava, mas fiquei com gostinho de quero mais. É chagada à hora de voltar para a cidade de Barreiras. O meu olhar estava atento a tudo, o meu coração disparava e fotografava tudo, a minha alma já sentia falta. Queria dar um passo pra frente e dois pra traz. A estrada que tinha pra seguir de volta nem imaginava que estaria levando outra pessoa que mesmo carregado de saudades estava leve, renovado pra vida.
Profº MSc. Celso Almeida de Lacerda

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Homenagem ao Dia Internacional de Atenção a Gagueira – 22 de outubro.

Professor X Gagueira

Tornei-me professor mesmo com a minha deficiência no falar, se é que isso é realmente deficiência. Sei que busquei me entender com a minha gagueira e com isso minimizei esse meu problema. E o que foi mais importante e de uma grandeza para mim incalculável, foi o momento em que busquei me aceitar.

No momento em que me omitia e negava-me a querer falar com as outras pessoas para não ouvirem e virem o meu gaguejar, achava eu que isso era mais confortável, mas só tinha mesmo valor para alimentar a minha solidão, o meu casulo e, consequentemente, a minha sobrevivência. Era um valor individualizado e localizado, que me conduzia à opressão e à desvalorização como ser humano. Ou seja, essa pequenina atitude, só servia mesmo para construir uma prisão que me anulava, mas que precisava ser descortinada. Como se diz na linguagem popular: “eu precisava mostrar a minha cara”.

Apesar de ter alguns sentimentos depressivos, não me culpava pelo meu estado e nem usava de hostilidade comigo mesmo e com as outras pessoas. A minha experiência de vida, com o passar do tempo, me mostrou que nunca somos o que gostaríamos de ser, por mais que sejamos lindos, elegantes, atraentes, inteligentes e famosos, ainda falta alguma coisa para a plenitude da nossa satisfação. Aprendi também que não precisava absorver e aceitar características externas estereotipadas que me rotulavam e que queriam me podar socialmente.

Não poderia morar num esconderijo e nem tão pouco fazer dele o meu mundo, já que a minha gagueira não era culpada e nem cometeu nenhum crime, apenas não seguia um padrão estabelecido por algumas pessoas. Busquei me descobrir, me encontrar através dos meus erros e acertos, o que realmente eu podia e o que não podia, além da minha capacidade e do meu discernimento.

Observe que quando me refiro à gagueira em todo desenvolvimento deste meu trabalho literário, eu a trato de maneira carinhosa, sempre digo “minha gagueira”, não digo em momento algum que ela é de outra pessoa. Nós estamos juntos há tanto tempo, e ela convive comigo a todo instante, que é como se fosse um órgão meu. Ela sou eu. E apesar de sermos dois em um, ela é muito mais original que eu, se é que posso afirmar isso. Só que eu procuro me resguardar nas minhas colocações, penso várias vezes no que vou falar e estou sempre preocupado com o entendimento do outro e se serei compreendido. Enquanto que a gagueira não quer nem saber como vai se apresentar, e em qualquer lugar, e em qualquer momento surge com a sua ingenuidade para qualquer pessoa.

A minha gagueira precisa que eu fale para que eu lhe dê vida. E nesse meu falar estou sempre buscando alimentá-la. O interessante nisso tudo é que, quando eu canto ela fica contemplando a minha melodia, quando eu durmo, ela adormece comigo e sei que quando morrer morreremos juntos.

E nesse meu repensar e nessa minha vida na área educacional percebi o quanto eu tinha ainda a aprender, desenvolver e contribuir. Entendi que, apesar de ser diferente, precisava fazer sempre o melhor possível, me aceitar e superar as minhas dificuldades de maneira que pudesse atender aos outros e a minha felicidade.

Texto extraído do meu Livro: Educação, obrigado pelo meu falar. Já na editora Livre Expressão, com previsão para lançamento em novembro de 2011.

Profº MSc. Celso Almeida de Lacerda

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Árvore seca

Na beira da estrada você via a todos. E todos lhe contemplavam. Você chamava a atenção. O seu bailar com o vento estavam tão afinados que parecia uma entrega nupcial em que vocês mudavam de posição sem perder o prazer. A sua copa esverdejante acolhia a todos que necessitavam de um abrigo, de uma sombra...

Os pontilhados de cor esbranquiçadas que enfeitavam a sua copa desprendiam um aroma suavizando o ar. Dentre tantas outras árvores que enfeitavam esse cenário você estava tão visível parecia que as outras árvores recuavam para você se sentir mais majestosa.

Assustei-me quando, depois de algum tempo, lhe vi! Sem folhagem, com os seus galhos erguidos para o céu. Parecia pedindo socorro. A sua sombra não mais refletia na terra, as suas raízes não bebiam mais água. Os seus visitantes que cantarolavam, pulavam e acariciavam, os seus galhos os abandonaram. A chuva que deixava gotículas de cristais nas suas folhas e que lentamente deslizavam no seu corpo, hoje correm com pressa para a terra. O vento passava pelos seus braços tão facilmente que em uma das minhas observações, contemplei sua luta contra ele.

Mas agora você treme sem forças para o embate, e solitária e sem vestes espera o momento de cair ao chão,este que por sua vez, a fez erguê-la um dia para o céu e hoje lhe espera com carinho para um abraçar único de cumplicidade, nutrir a terra à espera de outra árvore.

Você será sempre aquela árvore emotiva na minha alma e estará sempre presente neste lugar e em muitos outros olhares, porque a sua lembrança nunca morrerá.

Celso Almeida de Lacerda

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

PAI É PAI! MÃE É MÃE!

A palavra pai só ganhava o seu encanto quando se referenciava a Deus. Quem já não ouviu alguém dizer: ¨meu Deus, meu pai, me proteja!”, “Deus, meu pai me abençõe”, ¨Ó pai eterno me ajude”. Fora desse contexto, o pai era tido como sendo o homem, o forte, o “brabo” e até mesmo representava a figura do medo para alguns filhos. Lembro-me que até já ouvi de alguns filhos, (não dos meus) na disputa da morte entre o pai e a mãe batiam o martelo dando preferência à sepultura para o pai, era um desprezo, parecia uma coisa cultural. A mãe sim é quem merecia ter todas as honras do mundo. Era a santa e poderia até ser comparada com Nossa Senhora. Quem não a comparava e ainda compara, hein!

Lembro-me, quando criança, de um versinho popular que dizia: “carrego papai no bolso e mamãe no coração”. Ora, carregar no bolso alguma coisa nada mais era do que ser descartável. Será que era porque o dinheiro anda no bolso? Poderia deixar papai em qualquer lugar. Observe que geralmente quem tem bolso era o filho. Imagine que a filha não carregava o pai em lugar nenhum...

Quantas vezes qualquer ato falho cometido pelos filhos vinha sempre acompanhado com as frases: “Vou falar para o seu pai”; “Fique quieto que seu pai vai chegar”; “Seu pai vai lhe bater”. Por que isso? Porque o pai era o bicho papão. Com isso, reforçava-se mais ainda que o pai fosse o repressor.

Até o chamado Dia dos Pais, contendo apenas no calendário como sendo o segundo domingo do mês de agosto, era como se fosse um dia qualquer, sem homenagens, sem referencial, inclusive nas propagandas da mídia que ao se referirem aos presentes para os pais era tão sem vida...

Até mesmo no espaço familiar já presenciei a mãe dizendo para os seus filhos: “ vamos comprar um “presentinho” para seu pai, qualquer coisa tá bom, ele não liga muito pra isso mesmo”. E em algumas escolas era até falado desse dia, mas sem nenhuma expressão. Interessante é que a figura do pai nunca estava relacionada a nenhuma divindade e santidade.

O filho, por sua vez, era instigado e carregava um sentimento de que o poderoso chefão era o valente, mas mesmo assim não comparava o seu pai a nenhum santo e nem mesmo um São Jorge que se apresentava montado num cavalo e com uma espada matando o dragão. Não tinha nada de santo.

Mas as coisas foram mudando, não sei na cabeça de alguns filhos, já ouvi até essa afirmativa: “pai é pai e mãe é mãe”, isso vinha a fortalecer o fato de que cada um tem o seu espaço especial no coração do seu filho. Não sei com que intensidade e grau de sentimento.

O ser pai nos dias de hoje tomou outro rumo na consciência dele mesmo e na vida de seus filhos. Quantos pais antes de sair para trabalhar contemplam e buscam o seu filho para beijá-lo? Quantos pais antes de sair de casa já deixam o alimento pronto para seus filhos?Quantos pais compõem músicas de ninar para seus filhos adormecerem, sentindo o afago dos seus braços e a batida de seu coração? Quantos pais com saudades de seus filhos pontuam uma lágrima solitária escorrendo pelo rosto? Quantos pais sorriem lembrando-se de uma graça feita pelos seus filhos e preocupam-se com o seu bem estar? O pai que olha nos olhos de seu filho e o chama de filho amado; o pai que chora, compartilha e que canta para alegrá-lo e que não representa mais o cifrão e nem o temeroso, mas sim um homem frágil com sentimentos que inundam a alma.

A máscara colocada no rosto do pai por algumas pessoas inconsequentes foi retirada. A competição estabelecida entre o pai e a mãe sobre quem é o “melhor” e o “pior” foi diluída com o tempo e com as ações. Assim, o ser pai flui entrelaçado na convivência, no amor e no respeito dos seus filhos.

Não carreguem papai no bolso, porque o seu coração de filho é enorme!

Feliz Dia dos Pais!

Profº MSc. Celso Almeida de Lacerda