terça-feira, 13 de maio de 2008

O Cristal

O cristal ia caindo numa viagem cega e lenta. Nessa viagem levava consigo o sentimento de perda, a desconexão e o corte da lâmina que separava o que era mais belo. O seu brilho em pisca-pisca acenava, agonizava e fazia malabarismos preguiçosos com medo da sua chegada ao chão.
Das suas extremidades faiscavam pequenos filetes de compaixão pedindo socorro e mesmo quase desfalecendo ainda sonhava com a sua existência. Com o seu grito em silêncio, o cristal transmitia, em linguagem muda, que ainda poderia enfeitar a felicidade. Ele, mesmo estando perto de se consumir ou repartir em miúdos, se transformava em amor e ressuscitava, imerso em uma esperança singular.
O cristal era tão delicado, tão fino, tão belo e terno que não merecia ter as suas moléculas partidas. Como poderia uma coisa tão sublime, tão inteira virar um quebra-cabeça e quem conseguiria juntar os seus cacos e os tornar como era antes, único e verdadeiro? Ele não era para estar simplesmente jogado num saco ou fazendo parte de coisas sem valor. Poderia também ganhar outros nomes, quem sabe, quebra-coração, quebra-vida ou vidas partidas.
E a caída cada vez mais se concretizava. O cristal lentamente ia voando num vazio, mas a vontade de permanecer alimentava a vida e era maior que a morte.
Já desesperado com o seu desfecho, em um determinado momento agonizou nas lembranças mil, do sorriso, dos beijos, dos carinhos, do estar um e, rapidamente a poucos milímetros do chão, flutuou nos braços do ar e bailou no sentimento das recordações e encheu o seu coração numa mistura de desejo e paixão, embalando-o em suspiros de Hércules, voltou e adentrou no peito.

Celso Lacerda
6/07/2004

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